“...Sweet dreams are made of this
Who am I to disagree?
I've traveled the world and the seven seas
Everybody's looking for something…”
(tradução)
“...Doces sonhos são feitos disso
Quem sou eu para discordar?
Eu viajei pelo mundo e pelos sete mares
Todo mundo está à procura de algo…”
(Música dos anos 80, Sweet Dreams, do grupo britânico Eurythmics, foi composta por Annie Lennox e David A. Stewart)
Hoje cheguei ao consultório pensando sobre os sonhos que tinha em minha infância (acredito que pensava sobre isso, porque cheguei com o propósito de escrever sobre sonhos, tema do estudo que quero, por agora, concluir). Sonhos muito assustadores às vezes, lembro-me dos meus pais à beira da minha cama perguntando o que havia sonhado e, me recordo como se fosse neste instante, como não conseguia exprimir em palavras o que de fato havia acontecido nas entranhas de minha mente.…Como são importantes as palavras usadas ao relatar um sonho. Ainda me lembro do sonho e da sensação de medo, um sonho de angústia. Freud afirmava que os sonhos são a estrada real para o inconsciente e através dos sonhos podemos conhecer muitas coisas sobre nós mesmos, sobre nossas neuroses e como a psique funciona.
Meu analisando chegou no horário combinado e começamos a sessão. Ele me trouxe seu sonho, o conteúdo manifesto daquela noite, em que sonhou com um amor, uma paixão sua: “Tudo era apenas uma brincadeira, E foi crescendo, crescendo me absorvendo, E de repente eu me vi assim, completamente seu, Vi a minha força amarrada no seu passo, Vi que sem você não há caminho eu não me acho, Vi um grande amor gritar dentro de mim…” (Sonhos, Peninha, 1977). Vamos elaborar e chegar ao conteúdo latente...Puxa, como lidamos com o afeto na infância e o desejo de sermos amados… Freud dizia que o amor é uma das maiores doenças emocionais. Enfim, concluímos a sessão. Esse sonho, bem podia ser uma letra de música e, se você tem mais de 40, provavelmente está sorrindo agora!
Através da lembrança do próprio sonho, do que chega ao consciente, que vem revestido e transformado em conteúdo permitido, pela condensação, pelo deslocamento, trocamos uma pessoa por outra e duas ao mesmo tempo, sem tempo cronológico ou relação de causa e efeito, vem tudo junto e misturado. É assim que é. E com a interpretação, ‘deutung’, em alemão, encontramos o conteúdo latente.
Lembro-me quando criança, passava uma semana das férias na casa da minha querida avó, mãe da minha mãe. Ao lado de sua cabeceira piscava um livreto sobre a interpretação dos sonhos, aqueles com palavras das mais diversas, cobra, telhado, lua, garrafa, rio, ponte, água, carro, cachorro…e seus significados, ainda me lembro da capa, vez ou outra eu corria para buscá-lo e folhear as suas páginas em busca dos significados do que havia sonhado naquele dia, naquela noite. Era muito divertido misturar fantasia com a realidade.
Os sonhos são parte integrante de nosso ser, estão presentes no nosso imaginário, em nossas vidas, em nossas músicas, em nossos desejos, os sonhos são aquilo que almejamos, desejamos, nossas faltas. Por que sonhamos? Sonhamos acordados, ganhar na loteria, o sonho da casa própria, sonho de padaria, restos do dia, um amor, mil desejos proibidos, “sonhar não custa nada, nosso sonho é tão real…” Aí é samba enredo!
Veja este trecho retirado do livro A Interpretação dos sonhos vol I - Freud - 1900: “O velho fisiólogo Burdach, a quem devemos uma descrição cuidadosa e refinada dos fenômenos oníricos, expressou essa convicção numa passagem bastante citada (1838, p. 499): “(...) a vida diurna, com suas fadigas e prazeres, suas alegrias e dores, jamais se repete; pelo contrário, o sonho busca nos libertar dela(…)” “(...)ou apenas se harmoniza com nosso estado de espírito e simboliza a realidade”.
O sonho, literalmente falando, é uma uma construção psíquica, que ocorre durante o período de sono. É o seu guardião, segundo Freud, o guardião do sono. Se não o fosse, acordaríamos todas as vezes para a sede, a fome ou o xixi noturno. Possui significados distintos, variados e desde que o homem se entende por ele mesmo, é motivo de muita conversa, envolvendo religião, misticismo (sonhos premonitórios), ciência e cultura.
Para muitas pessoas os sonhos são só produtos de sua imaginação, restos do dia e do cansaço, sem nenhum significado para a nossa vida desperta, consciente. Os sonhos são também determinados pelas diferentes culturas, pelos diferentes lugares do planeta e por diferentes tempos; já foi analisado por grandes pensadores, cineastas, filósofos, cientistas e estudiosos da mente humana. Para a ciência, por exemplo, é uma fase na qual emerge a imaginação do inconsciente. Em 1924, o médico Nathaniel Kleitman descobriu o sono REM, sigla em inglês que significa movimento rápido dos olhos, Rapid Eye Movement, momento no qual o sonho acontece, e prosseguiu o estudo do porquê dormir e as consequências da privação do sono.
O sonho, aquilo que todas as pessoas experienciam, vivenciam, faz parte de nossas vidas desde que nascemos e que pode trazer toda a simbologia da ancestralidade humana, considerando que a nossa psique é infinitamente antiga e é a base da nossa mente - cito Jung em seu livro O Homem e seus Símbolos: “Num sonho muitas vezes aparecem elementos que não são individuais, nem podem fazer parte da experiência pessoal do sonhador…a estes elementos Freud chamava resíduos arcaicos, formas mentais cuja presença não encontro explicação alguma na vida do indivíduo e que parecem formas primitivas e inatas, representando uma herança do espírito humano.” Sonhamos por herança. Sonho como meus ancestrais primitivos que acordavam ao raiar do sol para caçar e explorar o território, sonho como os guerreiros da idade média, sonho como os físicos nucleares do passado ou como uma criança do século XXI. Pode ser.
Como algo tão íntimo e particular e tão coletivamente compartilhado deve ser analisado no divã?
Thomas Ogden nos presenteia com uma nota em seu livro "A matriz da mente" que diz o seguinte: "Pontalis (1972) acredita que os analistas erram em limitar suas concepções de um sonho a seu valor como transmissor de significados simbólicos, negligenciando, assim, a centralidade da "experiência do sonho", isto é, "a experiência subjetiva do sonhador sonhando e, a experiência intersubjetiva da terapia na qual o sonho é trazido ao analista, tanto oferecido como retido, falado embora em silêncio"
Pois bem, na prática é um trabalho em dupla, uma conexão de elementos que não deve perder a singularidade. O próprio analisando deve se apropriar da sua produção inconsciente e com o analista, montar o rol de significantes e significados. Os elementos, todos, até os que parecem secundários (por vezes são o principal, por deslocamento) devem ser considerados. A fala do analisando e a forma que coloca as palavras, também. É um caminho em sua própria história, sua vivência, sua família, suas experiências que estão como cenário da criação dele. Está lá por um motivo, e através de perguntas e respostas, ambos chegarão possivelmente ao fato desencadeador.
O sonho é do sonhador e se revelará para ele. Ele elabora e identifica quando um significado escorrega para outro. E nós, enquanto psicanalistas devemos acompanhá-lo nessa estrada de descoberta, nos contrapondo às listas de sonhos, aquelas que são públicas, como o livreto da minha avó, com seus elementos já taxativos, cobra, cadeira, bolsa, cavalo; determinados por explicações que são um padrão. Nem sempre se encaixa, não existe significado único para cada elemento e isso deve ser esmiuçado na análise, no divã.
É uma descoberta única e reveladora.
Bons sonhos!
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