“...Tá sozinha, tá sem onda, tá com medo
Seus fantasmas, seu enredo, sem destino
Toda noite, uma imagem diferente
Consciente, inconsciente, desatino…”
(Marcha à ré em Paquetá - Álbum: Sob o sol de Parador, 1989, Lobão)
O termo Psicose surgiu com o intuito de substituir a palavra loucura e outras semelhantes, usadas pejorativamente no cotidiano, para pessoas com certas características “agindo fora da realidade”, em meados do século XIX. Freud inaugura esse caminho em sua obra “OBSERVAÇÕES PSICANALÍTICAS SOBRE UM CASO DE PARANOIA RELATADO EM AUTOBIOGRAFIA ("O CASO SCHREBER")” - 1911, que é talvez uma peça de argumentação jurídica a favor de Schreber e material suficiente para mais tarde desenvolver a teoria sobre Narcisismo. Enfim, o termo psicose veio como veio, até os dias de hoje.
O QUE É PSICOSE
“Genericamente, o termo psicose designa um processo deteriorante das funções do ego, a ponto de haver, em graus variáveis, algum sério prejuízo do contato com a realidade.” (Vocabulário Contemporâneo de Psicanálise - David E. Zimerman - vocábulo Psicose). Pode ser de intensidade leve, moderada ou severa. O Ego é o intermediador entre o mundo interno (ID) com suas pulsões e desejos, e os limites externos da realidade. Há, portanto, uma má estruturação do Ego, que funciona dentro do princípio da realidade, um mau funcionamento, uma fragmentação em maior e menor grau, na relação de mediação entre o Id e o Superego. “Há uma falha na organização narcísica do ego da criança, que permanece impossibilitada de “separar-se” da mãe enquanto objeto.” (Bergeret, 1988)
As síndromes psicóticas são caracterizadas por sintomas típicos como alucinações (distúrbios da senso-percepção, ligadas aos órgãos dos sentidos), são percepções, sensações, vozes, objetos que não estão presentes, mas que o sujeito as percebe como se estivesse. E como delírios (crenças distorcidas da realidade, ligadas ao campo do pensamento), falas e risos imotivados. Outras características são os pensamentos e fala desorganizados, comportamentos bizarros, excêntricos, pouco comuns, levando-se em conta a cultura e o ambiente social no qual esse indivíduo está inserido.
Abaixo destaco os sintomas de primeira ordem, para auxiliar a diferenciar de outros quadros psicopatológicos. São sintomas praticamente restritos das psicoses:
Percepção delirante,
Alucinações auditivas,
Eco ou sonorização do pensamento,
Vivências de influência corporal ou ideativa, impostos “de fora” e influenciando “dentro”.
Conforme a classificação da CID 10, ou seja, dentro da psiquiatria: "Os transtornos esquizofrênicos se caracterizam em geral por distorções fundamentais e características do pensamento e da percepção, e por afetos inapropriados ou embotados. Usualmente mantém-se clara a consciência e a capacidade intelectual, embora certos déficits cognitivos possam evoluir no curso do tempo.”
Na psiquiatria todas as modalidades de psicose estão sob o rótulo de Esquizofrenia, sem diferenciá-la da paranóia, por exemplo, a chamada esquizofrenia paranóide. Ou seja, todas as modalidades são diferentes formas da esquizofrenia. Diverge da psicanálise, que define de outro modo os quadros psicóticos.
As diferenças marcantes entre as modalidades paranóicas da psicose e as modalidades mais graves da esquizofrenia, são, que na primeira, percebe-se uma riqueza cognitiva e intelectual, enquanto nas mais graves, percebemos uma limitação e um déficit cognitivo, de uma fala mais desorganizada e um afeto mais embotado.
Hoje, no Brasil, a população tem uma prevalência de 1 por cento de psicoses (pessoas que entraram em crise e foram diagnosticadas com esquizofrenia). Uma de cada 100 pessoas, é uma prevalência alta.
ESTRUTURA DA PERSONALIDADE PSICÓTICA
São organizações, de certo modo, estáveis, ou seja, o indivíduo pode ter uma estrutura de personalidade psicótica, mas nunca entrar em crise, delírios ou alucinações, são os potencialmente psicóticos, levando uma vida de trabalho, de estudo, familiar, com relacionamentos afetivos, mas com um laço social psicótico. Não há necessariamente a condição de um adoecimento clínico.
As características desses indivíduos são o de evitar situações de frustração, pois não possuem mecanismos de defesa para isso. Possuem dificuldade em estabelecer limites nas relações com os outros, pois não há facilidade em perceber o “eu” e o “outro”. Outra característica é que projetam conteúdos internos, rejeitados, e atribuem ao externo, aos outros. Essa forma de funcionamento pode gerar atitudes, vistas pelos outros como estranhas, haja vista a inabilidade de lidar com o “dentro” e o “fora". O outro pode perceber, por exemplo, o sujeito como arrogante, intrusivo, inconveniente e até estúpido.
Como têm baixa tolerância à frustração, os eventos como perda de emprego, falecimento de pessoas importantes afetivamente, perda de pessoas queridas, acidentes graves podem ser gatilhos para entrarem em crises graves. Eventualmente, expressam agressividade.
Os indivíduos aqui apresentam certa preferência pelo seu mundo interno, pela introspecção, um ligeiro afastamento da realidade.
TRANSTORNO DA PERSONALIDADE PSICÓTICA
Há um padrão do desvio de comportamento em relação à cultura. São padrões persistentes e estáveis, que se iniciam no início da adolescência ou da idade adulta e acompanharão o indivíduo pela vida toda. Apresentam características marcantes de sofrimento e prejuízo para o sujeito, para a família, para as pessoas de seu convívio.
De acordo com o DSM-V, são 3 possibilidades de TPP:
TRANSTORNO DE PERSONALIDADE PARANÓIDE:
Caracterizada pelo sentimento de desconfiança e eventual perseguição.
Como exemplos, podem ter dúvidas sobre a lealdade das pessoas, ver significados ocultos nas situações, em comentários uma conspiração, podem perceber ataques a sua reputação, geralmente têm relações afetivas complicadas, com suspeitas sobre as atitudes e sobre a índole do parceiro.
TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ESQUIZÓIDE:
Caracterizada pelo embotamento afetivo, a limitação do afeto pouco desenvolvido, frio que tende a ficar escondido na vida do indivíduo.
Como exemplo, são pessoas que não desfrutam de relações íntimas, têm pouco interesse por experiências sexuais, são de poucos amigos e têm escassos contatos com os familiares de modo geral, ficando mais próximos de pai, mãe e irmãos, somente. Optam por atividades solitárias e são pouco sensíveis a elogios e críticas. Se mostram com frieza emocional.
TRANSTORNO DA PERSONALIDADE ESQUIZOTÍPICA:.
Há crenças estranhas e pensamento mágico que influenciam o modo de pensar. Não há delírios, nem alucinações. Transita entre os dois tipos anteriores.
São pessoas supersticiosas, têm preferência por telepatia, clarividência e sexto sentido, por exemplo. Relatam experiências perceptivas incomuns, ilusões corporais, desconfiança paranóide, uma ansiedade social ligada a temores, afeto embotado, comportamento peculiar e certo afastamento social.
PSICOSES CLÍNICAS
Quadros psicopatológicos mais graves, onde há a perda do contato com a realidade, há a crise psicótica, o delírio e a alucinação. O indivíduo precisa ser medicado, acompanhado por psiquiatra e por psicoterapeuta, entre outros. Trata-se da Esquizofrenia, da Paranóia e da Melancolia.
Esquizofrenia: Há uma forte distorção da realidade no campo das alucinações e dos delírios. Na fala e no pensamento, há certo afrouxamento das associações e desorganização, de forma marcante. Há certo embotamento cognitivo e emocional, quando nos casos graves.
Paranóia: A predominância é do delírio de perseguição. O indivíduo apresenta uma lógica de raciocínio bastante sistematizada e rica, com certezas e bem obstinada. É praticamente impossível convencê-lo do seu delírio, devido ao encadeamento de ideias organizadas e complexas que desenvolve.
Melancolia: Caracterizada por períodos que oscilam entre mania e depressão. A mania surge como uma defesa psicótica contra a depressão, é um mecanismo de defesa do ego contra a fase depressiva (leia o texto Luto e Melancolia de Freud). Anteriormente designada como Psicose maníaco-depressiva, foi nomeada pela psiquiatria como Transtorno Afetivo Bipolar. Falo sobre o TAB no texto abaixo.
Acredito firmemente que a psicanálise possa ser bastante útil em todos os casos, dentro das diversas psicopatologias e que o acompanhamento psicanalítico deve ser requisitado sempre, para que, juntamente com outras terapias, de modo integrado ao atendimento psiquiátrico, se for o caso, possa trazer qualidade de vida a cada indivíduo em suas especificidades. Conto com isso!
Auto-Retrato
Vincent van Gogh, Museu de Orsay (desde 1986), 65 cm x 54 cm, Tinta a óleo, Pós-impressionismo, Arte moderna

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