“Quando eu soltar a minha voz
Por favor, entenda
Que, palavra por palavra, eis aqui uma pessoa
Se entregando”
(Sangrando - Luiz Gonzaga do Nascimento Jr - 1980)
Polimorfa e Perversa: é assim que Freud considera a sexualidade humana.
Somos seres extremamente complexos, possuímos inúmeras zonas erógenas e nossos desejos, nossas pulsões sexuais, são direcionadas a diferentes objetos, de diversas formas. Ser “normal" é relativo e Freud nos trouxe a compreensão disso, de modo muito revolucionário. Nós evoluímos de homens primitivos a executivos, feirantes, astronautas e homens-bomba. Devemos isso à pulsão de vida ou pulsão de morte, e sua fundamental importância no conflito psíquico de cada um de nós. Enfim, estamos aqui!
Abaixo, minhas reflexões a respeito do significante, da impressão psíquica, das palavras PERVERSÃO e PERVERSIDADE, dentro de nossa humanidade, de nosso SER que é HUMANO.
A PERVERSIDADE, a primitividade dos atos, por vezes animalescos, a tendência à maldade, a crueldade em atos e palavras que aniquilam o outro, o sequestro de vidas, o crime contra a humanidade, os ataques terroristas, as bombas, o domínio psíquico, social, moral e criminoso causado pelas drogas, são encontrados muito facilmente na vida humana, isso sempre existiu.
Recentemente passamos por um momento histórico de doença mundial, que nos forçou a um avanço, calculo cerca de 10 anos, no que diz respeito a forma de nos relacionarmos virtualmente, incluindo tudo que isso implicou. O mundo de fato é outro agora. Mas, creio, as pessoas ainda não.
Acredito que estamos caminhando por estradas cada vez mais sinistras e em breve chegaremos a lugares nunca antes pensados em relação à evolução humana, pontualmente destacando a inteligência artificial como causadora de tal avanço. Uns dizem que a caminhada será positiva e proporcionará a maturidade daqueles que já traçam caminhos de maior consciência e haverá um salto evolutivo. Não sei ao certo ainda, penso que muitos entre a nova e a velha geração ficarão perdidos num limbo, numa espécie de bolha, para qual a saída ainda não consigo vislumbrar. Abrimos essa porta: palavras como multiverso, Dark Web, Deep Web, inteligência artificial, chat GPT, embrenhados com filmes como “Sound of Freedom” e a realidade de nossas crianças, serão cada vez mais comuns. Paranóia, como a velha e boa colocação de Freud? Pode ser. Ou não.
A história nos mostra que estamos, mais uma vez, no limiar de atravessar esse novo portal, dentre milhares já atravessados anteriormente . A humanidade é perversa e pervertida, jogo de palavras que escancaram uma realidade.
Volto aqui o meu olhar para o indivíduo com suas nuances e angústias, para a psicanálise, para o atendimento e para os atos psicanalíticos, em transferência e análise: Segundo o Dicionário de Psicanálise Laplanche e Pontalis, PERVERSÃO é o “Desvio em relação ao ato sexual normal, definido como coito, que visa a obtenção do orgasmo por penetração genital com uma pessoa do sexo oposto” continuando ainda: “Diz-se que existe perversão quando o orgasmo é obtido com outros objetos sexuais”… “ou por outras zonas corporais”… “e quando o orgasmo é subordinado de forma imperiosa a certas condições extrínsecas”... “ que podem proporcionar por si só o prazer sexual.” . Entenda portanto, Fetichismo, Sadismo, Masoquismo, Voyeurismo, sexo com pessoas do mesmo sexo, práticas orais e anais diversas. É o prazer sexual obtido de forma atípica. Mas prazer sexual é prazer sexual, é para ser um prazer, um momento de satisfação, e todas as formas são válidas, desde que não cause mal a si próprio ou ao outro, nem desconforto, nem opressão, nem submissão, nem captura, nem prisão, nem atrapalhe outras áreas de nossas vidas. Portanto, o termo usado por Freud na época, talvez hoje pudesse ser outro, com todo respeito à grandiosidade do conceito. Digo isso, porque o termo perversão sexual sempre tem que ser explicado em si, antes mesmo do conceito ao qual ele se refere, dentro da psicanálise. E penso que mesmo fazendo isso, explicando a diferença entre este e o termo perversidade, mantém-se um certo desconforto aos leigos.
Mas e quando a perversão sexual traz perigo, insatisfação, desconforto a si próprio ou ao outro; ou quando existe no prazer sexual os transtornos reconhecidos por fantasias sexuais específicas e excessivos atos que angustiam a pessoa? Perversão sexual que traz sofrimento é transtorno. Os transtornos devem ser levados à análise psicanalítica, pois são formas pelas quais o indivíduo se organiza para se defender de angústias, “...como uma triunfante válvula de escape maníaca contra as ansiedades paranóides, especialmente as depressivas.” (Vocabulário Contemporâneo de Psicanálise - David E. Zimerman *Perversão - Freud) (Aqui, toda a Perversão o é, mesmo as saudáveis, sem transtornos)
Falar sobre sexualidade humana já foi pior , mas nunca é tranquilo. Se é para nós enquanto psicanalistas (é o que se espera), não o deve ser para os analisandos que enfrentam aflições e ansiedades para trazer à clínica suas aberrações (outra palavra controversa). O acolhimento psicanalítico no caso de transtorno de perversão sexual tem como objetivo compreender as raízes desses comportamentos através da exploração do inconsciente. Devemos oferecer um espaço seguro, de escuta livre de julgamentos, para o paciente explorar suas fantasias e desejos, buscando as origens complexas e consequências dessas ações em sua vida privada, para reconstruir sua identidade sexual e encontrar formas mais saudáveis de expressão, em seu tempo.
Sobre a humanidade, perversa ou pervertida, com todo seu amor e ódio peculiares da sua condição, deixo aqui minha esperança no futuro.
Quadro: Martírio de Santa Ágata” (1520) Sebastiano del Piombo
https://blog.humanarte.net/2016/11/perversao-as-melhores-historias-da-arte.html
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